sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Fahrenheit 451


Cena do filme "Fahrenheit 451" , de F. Truffaut, baseado na obra 
homônima de Ray Bradbury.

Como se não faltassem problemas suficientes na educação, mais uma vez nos defrontamos com uma caça as bruxas ao Monteiro Lobato (Leia aqui). Vai ficar impossível lecionar e despertar algum espírito crítico se continuarmos a silenciar as desigualdades sociais, o preconceito, enfim, a própria história.
Parece-me tão óbvio que o encantamento da literatura e talvez sua função na escola seja a de propiciar o estranhamento, a imersão em outra experiência... A apropriação de significações. Será que esse estranhamento não deveria ser o impulsionador de discussões sobre o universo tratado na obra? O motor dessa troca? Será que ainda se acredita que exista um autor soberano e atemporal que se impõe sobre um leitor passivo?
Ao invés de transformar o mundo em um comercial de margarina, não seria infinitamente mais interessante mexer na ferida sem pudor ou moralismo? Não se pode tratar o racismo como se ele fosse semeado por esta ou aquela obra, o racismo está no nosso dia a dia, escondido atrás de uma brincadeira ou protegido pela segurança das confidências na alcova. O dito racismo de Monteiro Lobato nasceu em uma atmosfera em que estabelecer o sentido da miscigenação era questão de ordem para intelectuais brasileiros. Um mundo que tomava a eugenia e a higienização dos espaços públicos como políticas de estado. Não seria papel do professor discutir essas questões? Ou será que ainda julgamos que a função do professor é transmitir conhecimento a seres desprovidos de qualquer saber e espírito crítico, que absorvem obras e informações como esponjas? Se for esse o caso, o Estado pode fornecer um exemplar de “Pollyanna” a cada cidadão e fechar as escolas.
Fico extremamente preocupada com essa ação de “jardinagem”. Aparar arestas, escamotear problemas sociais e podar obras incômodas ou inconvenientes, até hoje não resultou em boa coisa. E o pior, retira o foco do problema central: a criação de políticas de promoção de igualdade racial. 
Se o professor tem segurança para oferecer a leitura de Monteiro Lobato aos seus alunos, que seja feito, combater o racismo desnudando-o parece-me a estratégia mais acertada. Mas do jeito que a coisa vai é melhor esconder os livros por que o Index está em fase de elaboração e a fogueira não tarda a começar.


Sugestões:
* "Fahrenheit 451" (Direção: François Truffaut, 1966): Para quem conhece o filme, é impossível falar de censura a obras literárias e não lembrar desse clássico. 
Sinopse: Em um Estado totalitário em um futuro próximo, os "bombeiros" têm como função principal queimar qualquer tipo de material impresso, pois foi convencionado que literatura um propagador da infelicidade. Mas Montag (Oskar Werner), um bombeiro, começa a questionar tal linha de raciocínio quando vê uma mulher preferir ser queimada com sua vasta biblioteca ao invés de permanecer viva.
Quem ainda não conhece ou quer revê-lo, basta clicar aqui para assisti-lo no Youtube.
Além do filme, no ano passado, o livro de Ray Bradbury ganhou uma adaptação para HQ. Download.


* "Racismo em Monteiro Lobato": Entrevista com a pesquisadora Marisa Lajolo sobre o tema. 


* Sobre a questão racial na obra de Monteiro Lobato:

VIEIRA, William. Caçada ao racismo. Carta Capital, 25/09/2012. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/cacada-ao-racismo-2/

PELLI, Ronaldo. Sem fantasia. Monteiro Lobato é acusado novamente de racismo, após aparecer em desenho. Revista Nossa História, 04/03/2011. 

NIGRI, André. MonteiroLobato e o Racismo. Cartas inéditas reforçam que o autor do Sítio do Picapau Amarelo se entusiasmou com a eugenia - pretensa ciência que ajudou a embasar o nazismo e o holocausto. Revista Bravo!, Maio de 2011.

HABIB, Paula Arantes Botelho. Eis o mundo encantado que Monteiro Lobato criou: raça, eugenia e nação. Dissertação de mestrado / UNICAMP. (Para acessar basta se cadastrar aqui)